Sexo, fome e violência não são as melhores palavras para definir contos de fadas, certo? Errado. Há séculos atrás, mais precisamente no 16, historinhas como a da gata borralheira e da jovenzinha de chapéu vermelho que você conhece não eram coisa de criança. A Cinderela sofria assédio sexual do seu pai, Chapeuzinho Vermelho fazia strip-tease para o lobo mau e o príncipe de A Bela Adormecida era um anão pervertido.
No século 16, fome, pobreza e violência faziam parte do cotidiano das pessoas. Os camponeses trabalhavam sem descanso e, como uma forma de distração, contavam histórias. Elas sempre tinham como moral algo relacionado ao contexto histórico da sociedade de quem as contava. Daí surgem contos como Chapeuzinho Vermelho e João e Maria. Ainda nesta época, não havia diferença entre crianças, jovens e adultos: todos agiam, dividiam tarefas, falavam e faziam coisas em geral da mesma forma. Isto explica o caráter de várias personagens.
As historinhas ingênuas e puras que sua mãe contava para você surgiram apenas no século 18. Bondosos e preocupados com o futuro das novas gerações, escritores como Charles Perrauld e Jacob e Wilhelm Grimm reuniram várias versões dos contos e os reescreveram, sendo fieis aos traços culturais de sua realidade e sem que houvesse relatos de estupro, canibalismo e exibicionismo.
O que acontece, na verdade, é que os contos de fadas sofreram as mudanças conforme iam sendo contadas em diferentes sociedades e épocas, sendo adaptadas às situações, culturas e ouvintes. Isso não induz ao pensamento, porém, de que as histórias perderam a sua graça e originalidade. Afinal, há quem goste da narrativa infantil dos três porquinhos, mas também há quem conte os detalhes picantes do conto original de Chapeuzinho Vermelho.

Com direito a strip-tease e assassinatos, a original história da Chapeuzinho vermelho – que, na verdade, não vestia chapéu algum – mostra que os franceses do século 18 não tinham medo de mexer com tabus. O lobo matava a vovó, fatiava a sua carne e enchia uma garrafa com o seu sangue, que mais tarde ofereceria para Chapeuzinho. Depois da “refeição”, o lobo obriga Chapeuzinho a despir-se e deitar-se com ele. “O que eu faço com meu vestido?”, perguntou a jovenzinha. Não, ela não hesitou em tirar suas vestes. “Jogue na lareira. Você não precisará mais disso”, respondeu o lobo. E assim continuou a conversa a cada peça de roupa que Chapeuzinho tirava.
Sem perguntar para quê servia os olhos, orelhas e nariz do vilão, a garotinha sente os notáveis pêlos do lobo e dizia algo como “Nossa, vovó, como a senhora é peluda!”, e ele respondia “É para te aquecer, netinha”. Também falava de suas unhas compridas e de seus ombros, sempre com um tom sensual. Até que Chapeuzinho diz as suas últimas palavras: “Vovó, que dentes grandes a senhora tem!”. E então, sem caçador para resgatar as vítimas, o lobo finaliza o conto com um “São para te comer” e devora violentamente a menina.
A moral do conto vai muito além da abordagem do estupro e do incesto da França no século 16. Chapeuzinho vermelho representa os seus anseios e curiosidades sexuais de qualquer pré-adolescente, também cheio de ingenuidade. Já o lobo mau retrata o homem, ou por que não mulher, mal intencionado sexualmente. É uma realidade que atravessou gerações.
Próxima sexta-feira: estupro e canibalismo nos contos de fadas.